[Crítica Musical] How Big, How Blue, How Beautiful

No terceiro álbum de estúdio da banda Florence and the Machine, nós somos levados; melhor dizendo, nós somos arrastados por uma trajetória tortuosa e tumultuosa em busca de perdão, redenção e autodescoberta. Bem-vindos à “How Big, How Blue, How Beautiful”, e preparem-se para uma das viagens emocionais mais complexas já experimentada pela música atual. 
Enterrada até o pescoço com os problemas de seu tóxico relacionamento, Florence Welch nos apresenta letras íntimas e complexas, cheias de alegorias e referências, e nós, meros expectadores, somos sugados por essa experiencia de purgação e busca por liberdade.
Diferente de seus álbuns anteriores, onde a mão pesava nas camadas sonoras, e havia uma forte tendência ao exagero, HBHBHB chega mais coeso e linear, onde a sonoridade, a musicalidade serve como uma trilha-sonora para a história cantada. A banda retornou com um som mais maduro, e completamente renovado, com a presença de trompetes e mais violinos, e influências do rock e outros estilos dos anos 70 e 80.
As faixas seguem uma linha cronológica, experimentando momentos e sentimentos comuns a qualquer relacionamento que esteja passando por momentos difíceis. Contudo, nesse álbuns, Florence se encontra devastada e entregue a autodestruição e vícios. O interessante é que as faixas variam um pouco no diálogo. Ora as faixas tratam de Florence lidando consigo mesma no mundo, ora são dialogo intrapessoais, intimistas e cheios de vulnerabilidade. O álbum é uma obra tão ampla e complexa que vou ser básico na explicação, pois para cada pessoa, a experiência é única.
Faixa-a-Faixa:
Ship To Wreck”, faixa que abre o álbum, trata do ciclo vicioso em busca de algum equilíbrio e paz, que por vias normais não está existindo, fazendo com que a leve a autodestruição. O indício de que algo está errado se dá aqui. Já "What Kind Of Man” é como uma tempestade que começa calma, mas é absolutamente destrutiva. No olho do furacão, ela percebe os erros do outro e todos os problemas, iludida na bela imagem que ele apresenta, mas ciente de todo mal que ele esconde. O que a impele a se afastar, de alguma forma também a impede. “How Big, How Blue, How Beautiful”, a faixa título, por ter uma atmosfera contemplativa, faz alusão ao abrir de olhos, a percepção, a visão que começa desembaçar, e a presença dos metais dão uma atmosfera epopeica a faixa, seguindo para “Queen Of Peace”, que tem um estilo semelhante, e traz nossa protagonista lutando por quietude e reparo, tentando a todo custo – mesmo já sobrecarregada -, consertar aquilo que já foi bom e instalar a paz nos animos. “Various Storms & Saints” é a primeira faixa de dialogo intrapessoal, onde o emocional e a psique oscilam entre focar no futuro e desejar o passado. A dor existe, as marcas estão visíveis, é possível ver a fera que suga a energia, mas algo tão bom foi criado lá atrás que dúvidas surgem, saudade brota... Mas é preciso continuar. Como? Será que não tenho como voltar?
Delilah”, uma das mais up-beat tempo mantem essa oscilação emocional, mas segue mais firme. A aceitação começa a brotar, e o entendimento da situação dá as caras. A esperança surge, e tem duas faces: a que espera que reconciliação e a que deseja seguir em frente, tão comum ao estado humano. O querer e não poder. “Long & Lost” tem uma das atmosferas mais solitárias do álbum, junto de “VS&S”. é uma faixa noturna, melancólica e nostálgica, como o último pensamento antes de cair no sono depois de um dia emocionalmente exaustivo, com aquele pensamento se repetindo na mente "será que ele sente minha falta?".”Caught” amanhece suave, e soa quase como um despertar num estado elevado de percepção pessoal. A razão dá as caras, a força interna surge, e seguir em frente já não é mais tão difícil.
Third Eye”, outro diálogo intrapessoal, é a faixa mais poderosa no que diz respeito a se recompor e ir em busca da superação. Empoderamento e amor-próprio são gritados aos sete-ventos, e a mudança é muito mais que bem-vinda, é necessária, imprescindível. “St. Jude” mantem o diálogo, mas de uma forma mais pacífica. Livre de toda a culpa, com a visão clara e objetiva, a compreensão chega e repousa sobre ela. Seguir em frente não é mais opção, é fato, e a dor não mais a impede. “Mother” encerra o álbum de forma apoteótica, onde ela clama por renascimento e fortalecimento, mas sempre de olhos abertos e mente fincada na realidade e em tudo o que aprendeu para chegar onde chegou. 
O álbum é o projeto mais coeso da banda até agora, mostrando uma história que se inicia e segue até uma conclusão, cumprindo perfeitamente com o que é proposto, onde cada faixa é mais que um relato extremamente pessoal, é a purgação de seus demônios e pecados pessoais em busca de uma luz no fim do túnel. É a necessidade de fugir a toxicidade de um relacionamento de esforço unilateral, que a fez esquecer de si mesma em todas as formas, transformando-a numa estranha e destruidora criatura que, agora livre, descobre em si razões, motivos e capacidades que nem ela mesmo conhecia ou pensava conhecer. E além de todos os esforços pessoais, o tempo – um dos maiores personagens nessa trajetória – foi essencial.
Há raiva, saudades, angústias, medos e tristezas nas letras desse álbum. Contudo, a apresentação tão cheia de metáforas e alegorias torna a obra uma aventura lírica e transcendental para  quem a ouve.
Com certeza é um dos álbuns mais poderosos que já ouvi e um dos melhores e mais complexos trabalhos da banda até hoje, elevando a qualidade deles como artistas a um nível muito mais elevado. A Divina Comédia de Florence, saindo do Purgatório confuso e passando pelos andares do Inferno, ela finalmente alcançou o seu Paraíso.

Tracklist:
01. Ship To Wreck
02. What Kind Of Men
03. How Big, How Blue, How Beautiful
04. Queen Of Peace
05. Various Storms & Saints
06. Delilah
07. Long & Lost
08. Caught
09. Third Eye
10. St. Jude
11. Mother

Florence + The Machine - What Kind Of Man (The Odyssey – Chapter 1)
Directed by Vincent Haycock,
choreographed by Ryan Heffington.

P.s.: Desse álbum nasceu o curta "A Odisséia", que é a junção dos vídeos lançados em single - e mais uns videos curtos entre eles -, numa narrativa visual deslumbrante. As referências se multiplicam, então optei por não tratar dela no texto. Mas é um complemento lindo e indispensável ao álbum.

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