[Texto] Discurso de Malala Yousafzai no prêmio Nobel

No dia 10 de dezembro de 2014 Malala Yousafzai e Kailash Satyarthi receberam o Prêmio Nobel da Paz. Confiram o seu discurso inspirador.
Bismillah hir Rahman ir rahim. Em nome de Deus, o mais misericordioso, o mais benévolo.

Excelentíssimas majestades, ilustres membros do Comitê Nobel Norueguês, queridos irmãos e irmãs, hoje é um dia de grande felicidade para mim. Aceito com humildade a escolha do Comitê Nobel em me agraciar com este precioso prêmio.

Obrigado a todos pelo apoio e amor permanentes. Sou grata pelas cartas e cartões que continuo a receber de todas as partes do mundo. Ler suas palavras amáveis e encorajadoras me fortalece e inspira.

Queria agradecer a meus pais por seu amor incondicional. Agradecer a meu pai por não cortar minhas asas e me deixar voar. Obrigado, mamãe, por me inspirar a ser paciente e falar sempre a verdade — que acreditamos vigorosamente ser a verdadeira mensagem do Islã.

Muito me orgulha ter sido a primeira pachtun, a primeira paquistanesa e a primeira adolescente a receber este prêmio. E tenho a certeza absoluta de ser também a primeira pessoa a receber um Nobel da Paz que ainda briga com seus irmãos mais novos. Eu quero que a paz se espalhe por todos os cantos, mas meus irmãos e eu ainda estamos trabalhando nisso.

Muito me honra também dividir este prêmio com Kailash Satyarthi, que vem lutando pelos direitos das crianças já há muito tempo. Na verdade, pelo dobro do tempo que já vivi. Fico feliz também por estarmos aqui reunidos demonstrando ao mundo que um indiano e uma paquistanesa podem conviver em paz e trabalhar em prol dos direitos das crianças.

Queridos irmãos e irmãs, recebi meu nome em homenagem à pachtun Joana D’Arc, Malalai de Maiwand. A palavra Malala significa “enlutada”, “triste”, mas, tentando imbuir um pouco de alegria a ela, meu avô iria sempre me chamar de “Malala — a garota mais feliz deste mundo”, e hoje estou muito feliz de estarmos aqui reunidos por uma causa importante.

Este prêmio não é só meu. É das crianças esquecidas que querem educação. É das crianças assustadas que querem a paz. É das crianças sem direito à expressão que querem mudanças.

Estou aqui para afirmar os seus direitos, dar-lhes voz… Não é hora de lamentar por elas. É hora de agir, para que seja a última vez que vejamos uma criança sem direito à educação.

Tenho percebido que as pessoas me descrevem de várias maneiras.

Algumas se referem a mim como a menina que foi baleada pelo talibã.

Outras, como a menina que lutou por seus direitos.

Outras, agora, como “a Prêmio Nobel”.

No que se refere a mim, sou apenas uma pessoa dedicada e teimosa que quer ver todas as crianças recebendo educação de qualidade, que quer a igualdade de direitos para as mulheres e que quer que haja paz em todos os cantos do mundo.

A educação é uma das bênçãos da vida — e uma de suas necessidades. Essa tem sido a minha experiência pelos dezessete anos em que vivi. Em minha casa, no vale Swat, no norte do Paquistão, eu sempre adorei a escola e aprender coisas novas. Lembro-me que quando minhas amigas e eu enfeitávamos nossas mãos com hena para as ocasiões especiais, em vez de desenhar flores e padrões nós pintávamos as mãos com fórmulas e equações matemáticas.

Tínhamos sede de educação porque o nosso futuro estava bem ali, naquela sala de aula. Nós sentávamos e líamos e aprendíamos juntas. E amávamos vestir aqueles uniformes escolares limpos e bem passados e sentar ali com grandes sonhos em nossos olhos. Queríamos que nossos pais se orgulhassem de nós e provar que poderíamos nos destacar nos estudos e realizar algo, o que algumas pessoas pensam que somente os meninos podem fazer.

Mas as coisas mudam. Quando eu tinha dez anos, Swat, que era um recanto de beleza e turismo, de repente se transformou em um lugar de terrorismo. Mais de quatrocentas escolas foram destruídas. As meninas foram impedidas de frequentar a escola. As mulheres foram açoitadas. Pessoas inocentes foram assassinadas. Todos sofremos. E os nossos belos sonhos se transformaram em pesadelos.

A educação passou de um direito a um crime.

Mas com a mudança repentina de meu mundo, minhas prioridades também se modificaram.

Eu tinha duas opções, a primeira era permanecer calada e esperar para ser assassinada. A segunda era erguer a voz e, em seguida, ser assassinada. Eu escolhi a segunda. Eu decidi erguer a voz.

Os terroristas tentaram nos deter e atacaram a mim e a minhas amigas em 9 de outubro de 2012, mas suas balas não podiam vencer.

Nós sobrevivemos. E desde aquele dia nossas vozes só fizeram se erguer mais altas.

Eu conto a minha história não porque ela seja única, mas principalmente porque não é.

Hoje, eu conto as histórias delas também. Eu trouxe comigo para Oslo algumas das minhas irmãs, que compartilham esta história, amigas do Paquistão, Nigéria e Síria. Minhas valentes irmãs, Shazia e Kainat Riaz, que também levaram tiros comigo naquele dia em Swat. Elas também passaram por esse trauma trágico. Também a minha irmã Kainat Somro, do Paquistão, que sofreu violência e abuso extremos, até mesmo seu irmão foi assassinado, mas não sucumbiu.

E há meninas comigo que eu conheci durante minha campanha do Fundo Malala, que agora são como minhas irmãs. Minha corajosa irmã Mezon, da Síria, de dezesseis anos, que atualmente vive na Jordânia, em um campo de refugiados, indo de tenda em tenda para ajudar meninas e meninos a aprender. E minha irmã Amina, do norte da Nigéria, onde o Boko Haram ameaça e rapta meninas simplesmente por elas quererem ir para a escola.

Embora na aparência eu seja uma menina, uma pessoa com um metro e cinquenta e sete de altura, contando com os saltos altos, eu não sou uma voz solitária, eu sou muitas.

Eu sou Shazia.

Eu sou Kainat Riaz.

Eu sou Kainat Somro.

Eu sou Mezon.

Eu sou Amina.

Eu sou aquelas 66 milhões de meninas que estão fora da escola.

As pessoas gostam de me perguntar por que a educação é importante, especialmente para as meninas. A minha resposta é sempre a mesma.

O que eu aprendi da leitura dos dois primeiros capítulos do Alcorão Sagrado foram as palavras Iqra, que significa “leitura”, e nun wal-qalam que significa “pela caneta”.

Assim, como eu disse no ano passado nas Nações Unidas: “Uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo.”

Hoje, em metade do mundo testemunhamos acelerado progresso, modernização e desenvolvimento. No entanto, há países onde milhões ainda sofrem dos antiquíssimos problemas da fome, da pobreza, da injustiça e de conflitos.

Na verdade, lembramos em 2014 que um século se passou desde o início da Primeira Guerra Mundial, mas ainda não aprendemos todas as lições que surgiram da perda daquelas milhões de vidas de cem anos atrás.

Ainda há conflitos em que centenas de milhares de pessoas inocentes perdem suas vidas. Muitas famílias passaram a ser refugiados na Síria, em Gaza e no Iraque. Ainda há meninas que não têm liberdade para ir à escola no norte da Nigéria. No Paquistão e no Afeganistão vemos pessoas inocentes sendo mortas em ataques suicidas e explosões de bombas.

Muitas crianças na África não têm acesso à escola por causa da pobreza.

Muitas crianças na Índia e no Paquistão são privadas de seu direito à educação por conta de tabus sociais, ou forçadas ao trabalho infantil e, no caso de meninas, a casamentos infantis.

Uma das minhas melhores amigas da escola, da mesma idade que eu, sempre foi uma menina corajosa e confiante, que sonhava um dia se tornar uma médica. Mas seu sonho continuou a ser um sonho. Aos doze anos ela foi forçada a se casar, tendo um filho logo em seguida, numa idade em que ela própria era ainda uma criança — apenas catorze anos. Eu sei que a minha amiga teria sido uma médica muito boa.

Mas ela não pôde… porque era uma menina.

Sua história é a razão pela qual eu dedico o dinheiro do Prêmio Nobel para o Fundo Malala, para ajudar a dar às meninas de toda parte uma educação de qualidade e convocar os líderes a ajudar meninas como eu, Mezun e Amina. O primeiro lugar para onde esse financiamento será aplicado é lá onde reside meu coração, para construir escolas no Paquistão — especialmente na minha terra natal de Swat e Shangla.

Na minha própria aldeia ainda não existe uma escola secundária para meninas. Eu quero construir uma, para que minhas amigas possam ter uma educação e a oportunidade que isso traz na realização de seus sonhos.

É por lá que irei começar, mas não é por lá que irei parar. Vou continuar esta luta até ver todas as crianças na escola. Eu me sinto muito mais forte depois do ataque que sofri, porque eu sei que ninguém pode me parar, ou nos parar, porque agora somos milhões, lutando juntos.

Queridos irmãos e irmãs, grandes pessoas que trouxeram mudanças, como Martin Luther King e Nelson Mandela, Madre Teresa e Aung San Suu Kyi, que passaram todos por este palco, espero que os passos que Kailash Satyarthi e eu percorremos até aqui, e que ainda daremos nessa jornada, também tragam mudança — mudança duradoura.

Minha grande esperança é que esta seja a última vez que tenhamos que lutar pela educação de nossos filhos. Queremos que todos se unam em apoio a nossa campanha para que possamos resolver isso de uma vez por todas.

Como eu disse, já demos muitos passos na direção certa. Chegou a hora de dar um salto.

Não é mais o caso de convencer os governantes do quão importante é a educação — isso eles já sabem, seus próprios filhos estão em boas escolas. A hora agora é de convocá-los a agir.

Pedimos aos líderes mundiais que se unam para fazer da educação a sua principal prioridade.

Há quinze anos, os líderes mundiais chegaram a um consenso sobre um conjunto de metas globais, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Nos anos que se seguiram, testemunhamos alguns progressos. O número de crianças fora da escola foi reduzido à metade. No entanto, o mundo se concentrou apenas na expansão do ensino fundamental e o progresso não chegou a todos.

No próximo ano, em 2015, representantes de todo o mundo se reunirão na Organização das Nações Unidas para decidir sobre o próximo conjunto de metas, os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável. Isto irá definir a ambição do mundo para as gerações vindouras. Os líderes devem aproveitar essa oportunidade para garantir uma educação fundamental e secundária gratuita e de qualidade para cada criança.

Alguns dirão que isso é impraticável, ou muito caro, ou muito difícil. Ou mesmo impossível. Mas é hora de pensar grande.

Queridos irmãos e irmãs, o chamado mundo dos adultos pode compreender isso, mas nós, as crianças, não. Por que os países que chamamos de “fortes” são tão poderosos em criar guerras, mas tão fracos em trazer a paz? Por que fornecer armas é tão fácil, mas doar livros é tão difícil? Por que fabricar tanques é tão fácil, mas construir escolas é tão difícil?

Vivemos na era moderna, o século XXI, e passamos a acreditar que nada é impossível. Chegamos à Lua e talvez em breve pousaremos em Marte. Então, neste século, temos de insistir em que o nosso sonho de uma educação de qualidade para todos também se torne realidade.

Por isso deixem-nos levar igualdade, justiça e paz para todos. E não apenas os políticos e os líderes mundiais, todos precisamos contribuir. Eu. Vocês. É nosso dever.

Ao trabalho, então… sem esperar.

Apelo às crianças como eu a levantar-se em todo o mundo.

Queridos irmãos e irmãs, que nos tornemos a primeira geração a decidir ser a última [a ficar fora da escola].

As salas de aula vazias, as infâncias perdidas, o potencial desperdiçado — que tudo isso se encerre conosco.
Que esta seja a última vez que um menino ou uma menina desperdice sua infância em uma fábrica.
Que esta seja a última vez que uma garota seja obrigada a se casar na infância.
Que esta seja a última vez que uma criança inocente perca a vida na guerra.
Que esta seja a última vez que uma sala de aula permaneça vazia.
Que esta seja a última vez que se diga a uma menina que a educação é um crime e não um direito.
Que esta seja a última vez que uma criança permaneça fora da escola.
Que comecemos nós a encerrar essa situação.
Que sejamos nós a dar um fim a isto.
Que comecemos a construir um futuro melhor, aqui, agora.

Obrigada.

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