[Resenha] Vulgo Grace

Depois de O conto da aia, que deu origem à prestigiada série The handmaid’s tale e alcançou o status de bestseller mais de 30 anos após a publicação original, outro romance de Margaret Atwood vai ganhar as telas, desta vez pela Netflix, e volta às prateleiras com nova capa pela Rocco. Inspirado num caso real, Vulgo Grace conta a trajetória de Grace Marks, uma criada condenada à prisão perpétua por ter ajudado a assassinar o patrão e a governanta da casa onde trabalhava, na Toronto do século XIX. Com uma narrativa repleta de sutilezas que revelam um pouco da personalidade e do passado da personagem, estimulando o leitor a formar sua própria opinião sobre ela, Atwood guarda as respostas definitivas para o fim. Afinal, o que teria levado Grace Marks a cometer o crime? Ou será que ela estaria sendo vitima de uma injustiça?
O que eu achei?
Eu poderia pagar de cult dizendo que foi escolha própria embarcar na leitura de Margaret Atwood por um livro que não O Conto da Aia bem no meio da hype estrondosa e os intermináveis prêmios que a série da Netflix recebeu nos últimos meses. A editora Rocco nos cedeu alguns livros a serem resenhados e no meio da pilha estava Vulgo Grace. Unindo o útil ao agradável, resolvi então começar por ele; e posso dizer de antemão que talvez não tenha sido uma boa escolha.

Inspirado em fatos tão reais e nebulosos quanto os próprios, o livro conta a história de Grace Marks, uma moça condenada à prisão perpétua em 1863 no Canadá pelo assassinato de seu patrão, Thomas Kinnear, e a governanta da casa e amante do empregador, Nancy Montgomery, e então fugir com o cavalariço James McDermott, quem, teoricamente, a teria influenciado ao crime. Seu julgamento, cujas notícias espalharam-se fervorosamente país afora, dividiu a opinião pública, gerando manifestos a seu favor, alegando que sua prisão havia sido injusta dada sua juventude e ingenuidade.

Anos depois, à procura de respostas concretas, o Dr. Simon Jordan, estudante e grande incentivador das novas descobertas no campo nas ciências mentais, estabelece encontros diários com Grace a fim de esclarecer o que viria ser conhecido como um dos casos mais excêntricos da história do Canadá. Grace tecerá então, assim como as colchas pelas quais divaga ao longo da história, a narrativa sofrida de sua vida. Da perda prematura de sua mãe, seu pai abusivo e irresponsável e os irmãos mais novos que precisou deixar para trás em busca de uma vida longe da absoluta miséria a, enfim, os preâmbulos do fatídico crime.

Grace veste impecavelmente sua fama como uma das mulheres mais enigmáticas do século XIX. Acima de tudo o mais que dizem a seu respeito — assassina, víbora, promiscua, louca, e afins —, durante suas recorrentes discussões com Simon, acompanhamos apenas o seu lado da história; independente de que seja factual ou particularmente verídico. Dada a quantidade de informações desconexas e incongruentes, somadas à sua aparente inocência, expressa em seu relato rico em detalhes banais que o conferem fácil confiabilidade, a única certeza possível é a dúvida. Num momento acreditei firmemente em sua história, noutro, sentia que estava caindo na mais genial das artimanhas. Seu enigma é o fio que sustenta o livro.

A discussão feminina de Atwood, aparentemente presente em todas as suas obras, é afiada e salga a ferida em comentários sutis ao longo de toda a sua narrativa. Tão profunda que, em muitos momentos, me vi desconfortável, com medo de minha desconfiança na palavra de Grace fosse um ato machista. Como se dar ouvidos não só às injustiças e calamidades que as mulheres eram e ainda são submetidas, mas também às opiniões diversas que surgiam sobre sua possível insanidade, considerada por conta de apagões que Grace diz ter sofrido em pontos cruciais da história, tornasse a minha opinião inválida.

Não posso afirmar com certeza, mas acredito que esse não é um bom livro para adentrar na literatura de Atwood. Famosa por seu trabalho no ramo da ficção especulativa — principalmente em O Conto da Aia —, nesse livro, a autora apresenta um retrato minucioso do papel da mulher ao longo da segunda metade do século XIX e início do XX, provavelmente fugindo um pouco do esperado. Em certos pontos, detalhado demais até, tornando a experiência maçante e de difícil avanço, de modo que o livro poderia facilmente ter de cento e cinquenta a duzentas páginas a menos.

Apesar de interessante e rico em conteúdo, Vulgo Grace foi uma leitura que sugou muito de mim. A intenção da autora ao abordar o caso de Grace Marks não é responder às vastas perguntas que até hoje permanecem vivas sobre os assassinatos de Kinnear e Montgomery. Ela toma tais duvidas para si e embrenha-as na ficção para fomentar discussões como o combate silencioso ao patriarcado, o enlouquecimento seletivo das mulheres que fugiam dos padrões de bons costumes impostos pela sociedade oitocentista, e por aí vai. Portanto, a leitura se vale muito mais pelo discurso de Atwood do que pela história em si.

5 comentários:

  1. Estava eu á procura de um livro pra começar a ler Margaret Atwood, mas já vi que o melhor é de fato começar por O conto da Aia, que mesmo sem o ter lido, já espero coisas boas e impactantes.
    Nossa, que caso bem peculiar, quero lê-lo em breve, gostaria de ver como o tema é trabalhado, se bem que tô até com medo do que vou encontrar! Espero que a série seja boa também.
    A resenha está muito boa mesmo!

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  2. Olá! Confesso que não curti muito o enredo, não despertou meu interesse, mas vou colocar na minha lista, quem sabe mais para frente lhe dê uma chance.

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  3. Olá.
    É bom saber que você não gostou tanto de Vulgo Grace. Acho que vou começar por O conto da Aia da autora.
    caso eu não leio o livro Vulgo Grace, vou assistir a série na Netflix para saber o desfecho da história.
    Bjs

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  4. Olha, eu gostei do assunto que o livro aborda, achei bastante interessante, mas sua resenha não me convenceu a colocá-lo na lista, rs.

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  5. Estou vendo a minissérie. Muito boa. Estou gostando. Não li o livro mas estou interessada pelos temas apresentados. Como psi, posso supor que a personagem se situa em uma posição limítrofe de sua sanidade.

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