[Crítica] Vox Lux


Sinopse:  
Celeste (Natalie Portman) é uma menina que sobrevive após uma grande tragédia, o que a torna conhecida nacionalmente. Após um tempo, ela se lança como cantora e alcança o estrelato.

O que eu achei?
Antes de se aventurar na carreira como diretor, Brady Corbet atuou em filmes como Melancolia, de Lars von Trier, o remake de Violência Gratuita de Michael Haneke e Mistérios da Carne, de Gregg Araki. Seu début como diretor aconteceu em 2015 com o filme A Infância de um Líder, premiado no Festival Internacional de Cinema de Veneza. Foi neste mesmo evento que seu segundo longa-metragem, Vox Lux, teve sua estreia mundial e que agora chega às telas do Brasil no dia de hoje. O filme conta a história de ascensão e declínio da estrela do pop Celeste, interpretada na vida adulta por Natalie Portman e na adolescência por Raffey Cassidy, que também interpreta a filha de Celeste, Albertine, na segunda fase do filme. Dividido em quatro partes: Prelúdio (1999), Gênesis (2000 - 2001), Regênesis (2017) e Finale (XXI), Vox Lux se propõe não só a ir a fundo na psique de sua personagem principal, mas também a apresentar um “retrato do século vinte e um”, como diz seu próprio subtítulo.

Celeste, uma jovem de 14 anos, passa pela traumatizante experiência de ser uma das poucas sobreviventes de um massacre a mão armada em sua escola. Paralisada em uma cama de hospital, ela consegue transformar seu luto em música com a ajuda de sua irmã, Eleanor (Stacy Marty). A transmissão nas redes de televisão da performance causa uma catarse nacional, o que leva Celeste a ser notada por um famoso empresário (Jude Law). Longe de seus pais, Celeste e Eleanor transitam entre a responsabilidade da construção de uma imagem de estrela de Celeste e uma vida de exageros.

Dezoito anos depois, Celeste se prepara para fazer o primeiro show de sua nova turnê, dois anos após um acidente que poderia ter comprometido sua carreira. Paralelamente, um grupo terrorista utiliza a iconografia do primeiro clipe de Celeste para realizar um atentado. Além de lidar com a imprensa, a cantora precisa encarar sua filha adolescente, Albertine, que foi criada por sua irmã, com quem agora possui uma relação de amor e ódio, com as pressões de seu empresário e de sua representante publicitária.

O ano de 1999 não foi escolhido de maneira aleatória. Foi o ano do massacre de Columbine, que como um câncer em metástase, reflete seus sintomas até os dias de hoje. Com a ascensão da extrema direita, hoje vivemos um tempo em que “incels”, jovens supostamente renegados pela sociedade, decidem vingar-se através de chacinas. Um dos grandes exemplos é o massacre de Suzano, que atraiu a atenção para esse movimento que aparentemente parecia não atingir o Brasil até então. Vivemos um tempo de terrorismo, de brutalidade e, acima de tudo, sensacionalismo. Este tipo de terrorista não se alimenta não só do sofrimento de suas vítimas, mas seus atos o levam a uma fama, mesmo que momentânea e pelos motivos mais distorcidos possíveis. Daí vem a comparação do filme entre o pop e o terrorismo. Ambos se valem de sensacionalismo e de quem estampa mais capas de revistas ou é tem seu rosto exposto em TV nacional. O segredo é manter seus cinco minutos de fama. Ao longo do filme, possuímos vários paralelos imagéticos entre os dois. Quando pop star, Celeste assume uma caracterização muito próxima daquela utilizada pelo atirador de sua escola. Esta imagem, por sua vez, é replicada por outro grupo terrorista. De certa forma, um horror toma a forma de outro, há uma perpetuação dessas manifestações de violências das mais diferentes formas.

Vox Lux poderia nos trazer uma poderosa reflexão sobre violência e cultura pop, mas parece perder-se em suas experimentações narrativas de estéticas. Ao longo do filme não conseguimos definir muito bem quem é Celeste de verdade. O roteiro deixa nas mãos da narração em voice over em tom documental de Willem Dafoe uma série de detalhes que poderiam acrescentar muito mais à personagem. Esta mesma narração claramente não dá conta das abruptas passagens de tempo que ocorrem ao longo do filme. E, se perdemos Celeste, perdemos a oportunidade de ter um insight do que se passa na mente de alguém que vive de maneira extrema, após ter sobrevivido a um incidente tão extremo.

Num dos poucos momentos em que temos acesso a sua mente, Celeste, ainda jovem, está sozinha em seu quarto com o vocalista de uma banda de rock que ela acaba de conhecer. Em um longo solilóquio, ela conta sobre um pesadelo que tem todas as noites. Ela está passando por um túnel que parece não ter fim, vê um corpo sem vida, mas não pára para ajudá-lo. Comparada a tensa cena de tiroteio que assistimos minutos antes, trata-se de uma imagem sem muita imaginação, além do fato de ser narrada de maneira pouco inspirada pela atriz. Neste filme, a vida real parece superar o pesadelo. Nesta mesma cena do quarto, há também uma reflexão duvidosa a respeito da música pop, feita pela própria protagonista. Celeste afirma a seu parceiro que rock era o tipo de música que pode ter incitado o atirador de sua escola a orquestrar aquele massacre. Em seguida, ela diz que prefere cantar música pop porque ela faz “as pessoas apenas se sentirem bem”, como se o ritmo fosse algo sem profundidade suficiente para tocar alguém.

Torna-se mais difícil ainda nos conectarmos com um filme que se propõe a estudar o pop enquanto fenômeno e com a personagem quando todas as cenas de música são mixadas propositalmente em um volume baixíssimo, às vezes quase inaudível. Do que adianta ter um filme que as letras foram escritas pela Sia se nós não podemos ouvi-las? Do que adianta afirmarem que Celeste é um fenômeno, se não conseguimos apreciá-la dessa forma? Isso me leva a acreditar que nestes momentos estamos no ponto de escuta da personagem principal ou se trata de uma metáfora para a falta de uma voz verdadeira para a protagonista, mas nenhuma destas justificativas é plausível, uma vez que não há uma grande imersão tanto da direção quanto no roteiro nas questões psicológicas da personagem.

O filme é dominado por uma aura sombria que se confirma em seu desfecho. Enquanto assistimos a imagens do show de Celeste, o voice over de Willem Dafoe faz uma nova revelação. Desta vez, uma revelação sobrenatural a respeito de Celeste. Um segredo compartilhado apenas com Eleanor. A partir desta confidência, toda a história de Celeste é ressignificada. O segundo atentado, que a princípio parece gratuito e todos os outros desastres e êxitos na vida são justificados pelo fantástico. Após tudo o que passamos ao lado de Celeste, entretanto, este tipo de justificativa não me convence. Vivemos um tempo muito confuso e violento. Um tempo, como eu já havia dito, em que a realidade supera o pesadelo.

Infelizmente, acredito que falta algo de visceral neste filme. A violência está lá, de maneira gráfica, mas não há sentimentalidade que nos faça engajar na história de Celeste. E, por sentimento, não estou falando de drama. Falo de material humano, de identificação. O roteiro apela para o fantástico no que ele falha no humano. Vox Lux é a prova de que nem sempre uma premissa incrível, um elenco estelar e direção de arte impecável são capazes de levantar um filme. Assim como a música de Celeste no início do filme, é necessária a catarse, a identificação. E este, definitivamente, não foi o caso de Vox Lux.

Trailer:



Nenhum comentário