Há 30 anos que não existe Natal no Brasil sem Simone. Em algum recanto do país alguém estará ouvindo “Então é Natal / E o que você fez? / O ano termina / E nasce outra vez”. A versão de Cláudio Rabello para a canção de John Lennon e Yoko Ono foi um sucesso tão retumbante que fez do álbum “25 de Dezembrohttps://umusicbrazil.lnk.to/Simone25deDezembroPR?utm_source=dotmailer&utm_medium=email&utm_campaign=856506_Antol%C3%B3gico%20%C3%A1lbum%20natalino%20de%20Simone%20comemora%C2%A030%C2%A0anos_231943_BR&dm_i=4YYV,ICVU,7DTFHP,33MQS,1” um dos mais vendidos de todos os tempos no país. Milhares de cópias foram vendidas no Brasil e ao redor do mundo, tanto com a versão original quanto com a versão em espanhol. Um triunfo que se mantém, agora nas plataformas de streaming. E pensar que tudo isso nasceu de uma confluência de fatores inusitados, que pareciam estar escritos nas estrelas, ou na estrela maior – e com a anuência dos reis magos. Aos sete minutos da madrugada de 25 de dezembro de 1949 nascia Simone Bittencourt de Oliveira, ou apenas Simone, como, desde 1973, o Brasil foi aprendendo a chamá-la, até estourar quatro anos depois com “Jura secreta”, marcando seu nome no panteão da MPB. Pois a bela e impetuosa cantora de timbre grave, acumulando o fato de ser recordista em vendas de discos nos anos 1980 e já tendo lançado pelo menos 25 clássicos do nosso cancioneiro, ao completar 46 anos, em 1995, parecia disposta a cometer essa ousadia.
A realização de um sonho
Simone estava numa loja de discos em Nova Iorque quando se deparou com uma enorme quantidade de CDs natalinos gravados pelos maiores cantores do mundo, como Frank Sinatra e Nat King Cole. Pensou consigo mesma: “Por que não eu? Por que não me dar esse presente?”. Mais do que depressa, ligou para Marcos Maynard, o então presidente da Polygram, atual Universal Music Brasil, da qual acabava de ser contratada e lhe disse: “Tenho uma ideia, estou chegando em dois dias, vamos nos encontrar? Não leve ninguém”. No dia e local combinados, ao ouvir a ideia da cantora, o executivo soltou um sonoro palavrão e já começou a pensar como aquela produção se daria, pois estavam no mês de novembro e a ideia era lançá-lo antes do Natal daquele ano de 1995. Os produtores Max Pierre e Moogie Canazio fizeram um milagre e acionaram sete estúdios: dois em Los Angeles, quatro no Rio e um em São Paulo. Num tempo ainda sem internet, o segredo foi possível de ser guardado e em 20 dias suas dez faixas estavam prontas. Nascia o CD “25 de Dezembro”. A gravadora parecia mesmo convencida de que o álbum faria sucesso, mesmo num país sem grande tradição de canções de Natal, salvo meia dúzia de três ou quatro, perdidas na Era do Rádio. Foi enviado, então, para alguns jornalistas e formadores de opinião um telegrama pelo correio dizendo: “Este ano, o Natal começou mais cedo”.
Fato é que, por mais interessante comercialmente que o produto pudesse parecer, nem o mais otimista dos executivos da indústria fonográfica poderia prever o que aconteceria. Parece mesmo que tinha de ser com ela. A explosão parecia ter sutilezas invisíveis. Quem sabe se sua voz perpassasse as lembranças dos sinos da igreja batendo quando sua mãe deu à luz, em Salvador? Ou da menina pobre que ao ver um papai Noel na Rua Chile, próximo ao Teatro Castro Alves, gritava em alto e bom som o que queria ganhar “para que ele não se esquecesse”? Ou ainda de vencer uma velha frustração: de finalmente conseguir uma comemoração pessoal à altura de uma data que era preciso competir com... Jesus Cristo? Porque não era uma data de aniversário só dela, como a que qualquer criança e adulto gostaria de celebrar, numa festa especial, com presentes exclusivos. Não, desde pequena era preciso comemorar junto com a humanidade inteira, ganhar apenas um presente por ano de cada ente querido... Enfim, ter uma comemoração compartilhada.
E o que Simone fez? Poderia se dizer: de um limão, uma limonada. Mas talvez fosse preferível dizer: de lágrimas guardadas em alguma fresta de sua alma, desaguou um mar que uniu o Brasil de Norte a Sul, e boa parte do mundo latino, numa mensagem humanitária que transcende religião, expectativas de mercado e o que mais se especular. E haja especulação! O sucesso retumbante trouxe, aqui e ali, alguns haters agressivos, desproporcionais à pureza de sua proposta inicial. Mas, afinal, a verdade é que, nos últimos 30 anos, o que muitos milhares de ouvintes fizeram...? Apenas curtiram e se sensibilizaram com a voz e o espírito de confraternização universal de suas faixas, nas quais a cantora procurou imprimir um espírito “bem brasileiro, de sol e mar e não de neve”, como ela mesma explicou na época.
Natal brasileiro
Para começar, gravou três clássicos brazucas – “O velhinho” (Octávio Filho, 1953), “Natal das crianças” (Blecaute, 1955) e, o maior de todos eles, “Boas festas” (Assis Valente, 1933) – este, carnavalizando sua melancolia original, graças à participação da então recém-criada Timbalada, de Carlinhos Brown, em que o músico, fã da cantora, caprichou no arranjo: “Anoiteceu / O sino gemeu / E a gente ficou / Feliz a rezar...”. Havia também mais três, que não foram feitas para essa data, mas cujas mensagens se alinhavam perfeitamente ao tema, incluindo dois nacionais, “Jesus Cristo” (1971) e “Pensamentos” (1982), ambos de Roberto e Erasmo Carlos, além do último grande sucesso de Louis Armstrong, “What a wonderful world” (1967), que na versão de Cláudio Rabello virou “Que maravilha viver”.
Soma-se a esses, três clássicos universais, dois deles escritos há mais de 200 anos: “Noite feliz”, na Áustria, e “Bate o sino (Jingle bells)”, nos Estados Unidos, terra onde Irving Berlin cunhou em 1942, “White Christmas”, considerado o single mais vendido do mundo, na voz macia de Bing Crosby, que aqui virou “Natal Branco”, gravado por ela com clima de big band. O sucesso do álbum a fez incluir uma faixa-bônus no ano seguinte, a regravação de “Ave Maria” (Vicente Paiva/Jayme Redondo), um dos hits iniciais da carreira solo de Dalva de Oliveira, em 1950, que radiografa a fé de um Brasil profundo – com o coro das Meninas Cantoras de Petrópolis. Contudo, a faixa que estourou mesmo foi “Então é Natal”, a versão do velho sucesso de John Lennon, “Happy Xmas (War is over)”, gravado em 1971 ao lado de sua mulher, Yoko Ono, mais a Plastic Ono Band e o Harlem Community Choir. À época, um brado contra a Guerra do Vietnã.
“A minha intenção ao gravar ‘Então é Natal’ foi, como as outras músicas do álbum, oferecer uma mensagem de paz que fosse direta e tivesse profundidade. Essa versão traz reflexões profundas, importantes, fala de paz, união e lugares marcados para sempre pela bomba atômica, como Hiroshima, Nagasaki e Mururoa”, reflete hoje a cantora. “Quando finalizei a gravação, senti uma responsabilidade muito grande. Compreendi que a canção ultrapassava o caráter festivo do período e alcançava um sentido mais amplo, ligado à urgência da paz. Ao ouvir a versão pronta, tive a percepção de que ela havia adquirido uma força própria. Desde então, continuo a cantá-la porque acredito no compromisso de usar a minha voz também em favor da paz”.
As mensagens positivas
Três décadas se passaram e, neste ano de 2025, um dos maiores jornais japoneses, o Yomiuri Shimbun, descobriu sua gravação e parece ter compreendido exatamente sua intenção. Ao realizar uma pesquisa, percebeu que somente na versão brasileira dessa canção apareciam as palavras Hiroshima e Nagasaki. Seu refrão original, “A guerra acabou, se você quiser”, foi substituído por uma repetição de "Hiroshima, Nagasaki". Sendo assim, 80 anos depois da catástrofe da bomba atômica que destruiu as duas cidades, os japoneses decidiram homenageá-la em forma de reportagem. Simone conta nessa entrevista que Yoko Ono lhe deu permissão para criar e lançar a versão. Acredita que a mudança para “Hiroshima, Nagasaki” pode ter sido o fator decisivo para sua permissão e afirmou: “Gostaria de expressar minha gratidão a ela algum dia”. Sim, um de seus maiores sonhos é conhecê-la pessoalmente, apenas para lhe dizer: “Obrigada”.
Após ter criado um novo videoclipe para a música no ano passado, dirigido pelo jovem Pedro Colombo (aliás, um fã confesso da canção e do álbum “25 de Dezembro”), Simone explicou aos japoneses da atualidade de sua mensagem: “Mesmo depois de testemunhar as atrocidades do lançamento de duas bombas nucleares, o mundo ainda continua cheio de medo”, e alertou: “Sempre falarei abertamente sobre coisas com as quais não concordo ou não posso aceitar, e as cantarei pelo resto da minha vida”.
Agora, no momento em que a grande estrela pop da juventude, Pabllo Vittar, decidiu também lançar um álbum natalino e citou a cantora como uma de suas referências, Simone decidiu abrir o grande questionamento proposto no seu hit maior, “Então é Natal”, perguntando “Então, o que você fez?”. Trata-se de um movimento da artista traduzido num site – www.entaooquevocefez.com.br – que entra no ar nesta segunda-feira, dia 8 de dezembro, trazendo um espaço interativo dedicado aos fãs. Ali, eles poderão contar suas histórias, compartilhar relatos, memórias e experiências, comungando com ela sentimentos positivos de superação que a mensagem da canção em sua voz vem lhes trazendo por todos esses anos, algo como “um bem que contagia”, indo na direção contrária do negativismo e da onda de ódio incitada no mundo contemporâneo – das guerras físicas às agressividades virtuais – e que possam ecoar não apenas no Natal, mas no ano inteiro. Os conteúdos poderão ser marcados diretamente para a cantora, que pretende responder a algumas participações e, em determinados casos, destacar histórias em suas redes sociais ao longo do ano.
O site estreia também com um novo conceito visual, desenvolvido em conjunto com o prestigiado fotógrafo Willy Biondani. Inspirado em fios que parecem surgir das mãos de Simone, o ensaio busca representar a força transformadora presente na relação de sua arte e com o público. Simboliza conexões, caminhos que se entrelaçam entre eles, os aproximando, tendo como foco principal a mensagem desse trabalho natalino. A ideia é um convite de olhar para si, para o outro e o mundo, um elo de união em torno desses fios... de esperança e conscientização.
Mas, e ela própria, Simone, o que fez, além de administrar sentimentos tão intensos numa canção, todo ano revivida em seu aniversário? “Simplesmente, espalhar essa semente de enorme valor: amor e música”.
Rodrigo Faour
Dezembro/2025
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