[News]Com arranjos sofisticados, 'Estrangeira', de Dandara Modesto, discorre sobre o deslocamento do corpo feminino radicalizado através dos países europeus

 COM ARRANJOS SOFISTICADOS, ESTRANGEIRA, DE DANDARA MODESTO, DISCORRE SOBRE O DESLOCAMENTO DO CORPO FEMININO RACIALIZADO ATRAVÉS DOS PAÍSES EUROPEUS


O segundo álbum da artista brasileira radicada em Zurique começou a ser desenvolvido há seis anos e chega ao público com potência através de um olhar decolonial questionador, mas sem perder a sensibilidade e a poesia





Dandara Modesto por Lucía Alonso



Lisboa, novembro de 2022 - No dia 2 de dezembro, a cantora, compositora, intérprete, performer e produtora musical Dandara Modesto apresenta para o público o segundo álbum de sua carreira, Estrangeira, através do selo Musicardiaca. Com arranjos sofisticados, potência e sensualidade, ao longo das seis faixas, a artista brasileira radicada em Zurique (Suíça) discorre sobre o corpo feminino não branco em trânsito pela Europa e as consequências da interação e autopercepção através dessas outras culturas. 


A jornada de construção e desenvolvimento da obra começou há seis anos, quando Modesto foi a Munique (Alemanha) fazer uma residência artística e começou a ter consciência sobre como o seu corpo não branco era percebido em território europeu. “A viagem a Munique foi a primeira experiência de deslocamento que eu tive consciência e também foram ali os primeiros momentos que eu entendi que havia conflito de códigos e normas, que meu corpo significava algo que eu não conseguia entender, que meu corpo era entendido de uma maneira que eu não entendia como era entendido. E gerava reações violentas”, explica Dandara. “E aí se inicia o processo de pesquisa artística a partir desse estranhamento, de ser esse corpo estranho. Entender esses símbolos todos, que vêm a partir de fenótipos de códigos físicos meus, que geram uma outra percepção da minha identidade que eu não tinha. Somado à ideia de me deslocar do meu local de origem, de me tornar imigrante e olhar para esse meu lugar de fora, e me conectar ainda mais com as minhas raízes, com aquilo que forma a minha identidade e que vem do Brasil”.


A artista define o som como pop alternativo porque traz muitos elementos e filtros, com camadas eletrônicas. “Eu acho que esse álbum tem algo de pesadinho, ele não é muito leve e o som é meio esquisitão assim. Estrangeira tem uma coisa meio deslocada no tempo-espaço”, conceitua. Com presença de sopros, percussão, acordeon e baixo acústico, os arranjos são refinados e potencializam a voz doce, forte e lúbrica de Dandara.


“Estrangeira”, a faixa título, abre o álbum sem pedir licença com um samba moderno. Em seguida, “Caixa Preta'', voluptuosa canção com participação de Duda Brack. Com uma pegada rock’n’roll, “Hello” vem em seguida. Escrita há 8 anos, em ocasião da construção da hidrelétrica de Belo Monte, “Altanamira” ainda é atual e faz um ode aos povos originários do Brasil. Em“Para um Amor em Paris”, single previamente apresentado para o público, Dandara rejeita o lugar de mulher imigrante dos trópicos sexualizada, embora ainda haja desejo na relação. Fechando Estrangeira, “Grafite” resume o tema do álbum ao falar sobre a construção da identidade a partir do olhar do outro.



OUÇA ESTRANGEIRA AQUIhttps://bfan.link/para-um-amor-em-paris



Capa de Estrangeira

(Crédito: Lucía Alonso)



FAIXA A FAIXA POR DANDARA MODESTO

  1. Estrangeira

A canção título que sintetiza a obra. “Minha voz é toda bagagem. Sem bandeiras pra carregar, estrangeira em qualquer lugar” há uma certa contradição aqui, que eu adoro, porque na voz carrego as raízes que me conectam com o que sou e de onde vim. Na produção tem um samba duro meio ‘femme-jamesbondeano’ que liga a zona norte de São Paulo com Zurique


  1. Caixa Preta

Gostosinha que traz a potência e o mistério que habita o corpo. Em um feat. delicioso com a maravilhosa Duda Brack. O arranjo de sopros de Andrew Moraes traz uma elegância lânguida.


  1. Hello

É uma canção cutucada de auto-reflexão e responsabilidade. Um convite pra se olhar por dentro e se ver naquilo que precisamos mudar, naquilo que apontamos nos outros, na nossa hipocrisia incoerente. Uma rockalhada.


  1. Altanamira

Uma canção que reverencia os povos indígenas originários do Brasil, trazendo o conflito da construção da hidrelétrica de Belo Monte como mote. Escrita há 8 anos, infelizmente ainda é muito atual. O trocadilho “Altanamira” expõe a violência que povos indígenas estão expostos em seus territórios. Máximo respeito e visibilidade aos Kayapó, Xipaya, Kuruaya, Juruna, Xikrin do Cateté, Trincheira-Bacajá. No álbum essa canção reverbera lugares de origem, de território e de luta pela existência.


  1. Para um Amor em Paris

Ela trata sobre a objetificação desse corpo feminino não-branco e a sua sexualização e o uso do entendimento desse corpo sempre a partir do ponto tropical (‘mon amour/ como um drink vermelho e tropical/ mon amour/ me entrego de bandeja…’). Na última parte da música, quando muda o arranjo e as coisas ficam mais tensas, é um certo rebelar-se desse corpo que cansa de ser objeto e chega até em uma explosão quase violenta. Quero viver outra coisa, mas ao mesmo tempo ‘ne me quitte pas’, não me esqueça, estou aqui. E, no fim, essa é a relação de uma pessoa que está lidando com todos esses elementos complexos e pesados, mas que tenta uma conexão, apesar desse rompante. É uma canção de amor, apesar de tudo. Mas um amor tronxo. Eu diria que é mais uma ‘canção de paixão’.


  1. Grafite

Uma canção que orbita a obra. Uma conversa de si consigo mesma, um exercício de alcance daquilo que se deseja ser e nunca se é. O eu, a construção da identidade/indivíduo como essa busca infinita. Uma canção de (des)amor ao ego e às transformações do eu. A outrificação do eu.



FICHA TÉCNICA

Produção: Paulo Monarco, exceto “Grafite”,  produzida por Raul Misturada, e “Para um amor em Paris”, produzida por Bianca Godoi e Dandara Modesto.


Estrangeira
Composição: Bruno Batista, Dandara Modesto, Paulo Monarco
Voz: Dandara Modesto
Bateria e percussões: Jota Erre
Baixo: Serginho Carvalho
Guitarra: Paulo Monarco
Trompetes: Nahor Gomes
Clarinete: Andrew Moraes

Caixa Preta
Composição: Dandara Modesto, Bruno Batista, Paulo Monarco, Demetrius Lulo

Voz: Dandara Modesto
Voz: Duda Brack
Guitarra: Paulo Monarco
Bateria: Ricardo de Pina
Baixo acústico: Marcelo Maia
Percussão: Sergio Pato
Arranjo de sopros e flauta: Andrew Moraes
Trombone: Alaécio Martins
Trompete: Fábio Cerqueira


Hello
Composição: Guigga, Marcos Marinho

Voz: Dandara Modesto
Guitarra: Paulo Monarco
Guitarra: Mauricio Caruso
Baixo: Fabio Sameshima
Bateria: Jota Erre

Altanamira
Composição: Rafa Barreto

Voz: Dandara Modesto
Guitarra: Paulo Monarco
Baixo: Fabio Sameshima
Bateria: Jota Erre


Para um amor em Paris

Composição: Bruno Batista

Voz: Dandara Modesto
Acordeon: Anatole Munster

Baixo: Ricardo Dias Gomes
Guitarra: Paulo Monarco
MPC: Juninho Ibituruna
Percussões: Jota Erre


Grafite

Composição: Celso Viáfora

Voz: Dandara Modesto

Piano: Alejandro Vargas

Efeitos: Raul Misturada



SOBRE DANDARA MODESTO

Dandara Modesto é artista do palco: cantora, intérprete, performer e produtora musical brasileira radicada em Zurique/Suíça. Poética, potente e tropical, reflete na sua voz uma música brasileira contemporânea com raízes na tradição da canção brasileira e dos ritmos afro-brasileiros populares. Celebrada e respeitada no meio musical, colaborou com vários projetos transdisciplinares de música, dança, teatro, artes visuais e performance no Brasil e na Europa. Já se apresentou em grandes palcos do mundo como o Auditório Ibirapuera (BR), a Blackbox Gasteig (DE) e o Moods (CH). O seu álbum de estreia, Dois Tempos de Um Lugar, em parceria com Paulo Monarco, foi lançado em 2016. No seu mais recente álbum Estrangeira (2022), Dandara canta sobre o corpo feminino em trânsito, migração, o poder da alteridade e a ancestralidade.




ALETS
Letícia Tie

Nenhum comentário